segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Olhar para o céu e sonhar



E pensar que numa tarde estava no parquinho com minha filha e quando nos vimos sós, sugeri a ela que nos deitássemos de costas numa plataforma e olhássemos para cima, para as nuvens, para o céu. E ela topou e logo vimos o céu riscado pelo rastro de dois aviões, e balões imaginários, e nuvens brancas de algodão, um helicóptero até. E eu disse: “Balões e helicópteros não voam tão alto quanto aviões, mas se você os vê, acredito que lá estão”; e quando convidei-a para comigo levantar-se, ela virou para mim o rosto, suave, e disse: “Mamãe, vamos ficar mais um pouquinho aqui deitadas vendo as nuvens e os aviões” e eu senti tanto orgulho dela naquela tarde e vi que está crescendo mais rápido do que eu havia notado nos dois últimos anos. Estes momentos mágicos, não há nada no mundo que possa substituir, ou pagar. Também naquela tarde, os ecos do discurso aqueceram meu coração.

“Hemos sacrificado los viejos dioses inmateriales y ocupamos el templo com el “dios mercado”. (...) Civilización contra la sencillez, contra la sobriedad, contra todos los ciclos naturales, pero peor: civilización contra la libertad que supone tener tiempo para vivir las relaciones humanas, lo único trascendente: amor, amistad, aventura, solidaridad, familia. Civilización contra el tiempo libre que no paga, que no se compra, y que nos permite contemplar y escudriñar el escenario de la naturaleza.”Parte do discurso de Jose Mujica, Presidente do Uruguai, na 68° Assembléia Geral das Nações Unidas – 24 de setembro de 2013.







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sábado, 28 de setembro de 2013

Where’d You Go, Bernadette – Maria Semple


Foto: obtida no site da Orionbooks, aqui usada apenas para divulgação.

Busquei este livro motivada pelas impressões de leitura de Juliana Gervason do blog O Batom de Clarice. E aqui segue apenas um comentário. Recomendo o post da Juliana para quem deseja mais informações. Ela leu e comentou a versão em Português, da Companhia das Letras. Eu comprei e li a versão em EBook da Orionbooks, em Inglês.

De fato, uma leitura excitante. A narrativa prende o leitor do início ao fim, devido à forma como é construída. Mas não sei se ter tido, antes, acesso às impressões da Juliana sobre este livro, tirou-me um pouco do gostinho de descobrir coisas por mim mesma, embora ela não tenha revelado nada essencial sobre o enredo. Só o fato dela ter mencionado uma pergunta Y que uma das protagonistas se faz em algum momento no livro já foi suficiente para prender minha atenção àquele ponto. Funcionou mais ou menos como aquela anedota do rapaz que está na fila para entrar no cinema quando um amigo que acabou de assistir ao filme lhe diz para prestar muita atenção na cena do buraco, que seria a chave de tudo. E o coitado passou o filme inteiro esperando o buraco que não existia e acabou deixando passar outras coisas mais importantes. Bom, mas se Juliana não tivesse falado tão bem sobre esse livro, muito provavelmente eu nem o teria procurado, se bem que só o comprei porque encontrei, por um preço relativamente justo, uma versão EBook.

Assim sendo, minha experiência de leitura poderia ter sido muito mais rica, acho, tivesse eu topado espontaneamente com este livro, ou não soubesse nada mais além da sinopse antes de lê-lo. Gosto de ser conquistada por uma boa trama, uma boa prosa, aquela que chega como quem não quer nada e vai nos levando por caminhos novos, levemente sinuosos, tortos porém originais. Não consegui me surpreender nem com a forma da narrativa. A técnica empregada não é inédita mas ainda não se tornou usual. Achei que algumas peças ficaram frouxamente coladas, mas é muito provável que tenha sido proposital. 

Resumindo: o livro vale muito a leitura, principalmente para quem busca entretenimento de bom nível. Recomendo porque gostei mesmo. Este livro até já ganhou prêmios, se não me engano, e só não entro em mais detalhes para não interferir na experiência de quem vier a lê-lo depois.





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domingo, 22 de setembro de 2013

Gandavos I, II e III



Em outubro de 2012, pouco antes ou depois de eu ter lançado o primeiro volume do 15 Contos+, descobri o site gândavos. Na época, havia acabado de sair o primeiro livro: Gandavos - Os contadores de histórias desta série que, sobretudo, visa registrar em livros alguns dos muitos textos hospedados no site. Achei a empreitada muito valorosa e segui acompanhando. Tempos depois eles lançaram o volume II: Gandavos – Contando outras histórias. Curiosa, comprei de uma das participantes, a autora Celêdian Assis, um exemplar de cada volume.

Não falo aqui do projeto, falo dos primeiros três livros, pois uma entrevista com o coordenador Carlos A. Lopes pode ser lida no blog Sem Vergonha de Contar (aqui em PDF, para levar).

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Enquanto isso nas redes sociais...- I


Episódio mil quatrocentos e noventa e três

Uma professora comentando a foto de um cachorrinho: “Lindo. Já me apaixonei por ele.“ Um aluno pronuncia-se logo a seguir: “Quer fazer é comparação...”
A professora: “Não entendi.“
O aluno: “A senhora quer fazer comparação para ver quem é mais feio e...“
“Quem que é feio? Você sempre tão indelicado...“, atalha a professora.
E o aluno: “cauma (essa doeu!) só brincadeira prof, eu gosta (essa doeu mais!) da senhora mas a senhora não. A senhora quer é mim reprovar (mim reprovar já é norma) não é?”
Professora: “Menino, você é triste! (ô coitado!) Eu não tenho nada contra você! Se você vai ficar reprovado a culpa é sua porque é preguiçoso e não estuda! (Toma!)”

Aluno: “Prof eu copio suas atividade todas presto atenção mais é porque a senhora passa muito trabalho e eu moro longe de todos os meus colega i aí como eu fasso (eita fosso!) os trabalhos...”- pérola quase em estado original, mudei um pouco só para não matar o leitor de susto.
E a professora, em tom final: “Aqui não é o lugar para falarmos disso. Me procure pessoalmente”.
Rede social, rede social...
Observar não é crime, contar histórias também não.
Os comentários entre parêntesis foram a minha contribuição.





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segunda-feira, 16 de setembro de 2013

PAPO DE ESCRITOR(ES) - II


* Comentários levemente alterados dos originais para melhor se adequarem ao espírito  desta série de postagens. 

HELENA FRENZEL: Ai, o espelho... esse tema dá muita reflexão... Já não miro mais nos espelhos físicos, prefiro a escrita, que mesmo à revelia espelha a alma do escritor. Por isso as palavras são sempre livres e há que ter-se cuidado com elas: pela propriedade de dizerem o contrário do que pensaram obrigá-las dizer. Nos espelhos físicos não confio, eles mentem às pessoas, mostram só o que desejam ver, já as palavras fotografam a alma para a eternidade, um negativo que tempo e espaço não conseguem alterar, um carimbo da alma para quem se propõe a ler e decifrar.

TANIA ORSI VARGAS: As palavras escapam ao controle racional e aos condicionamentos da mente, muitos deles colocados de fora para dentro como uma armadura ideológica e maniqueísta. As palavras, como os pensamentos, atravessam paredes de aço, voam livres em bandos nos céus, livres da mente carcereira, e nos surpreendemos depois, ao ler coisas que escrevemos e não entendemos em que lugar de nós tais coisas foram engendradas. Um grande mistério e uma libertação.

LUCIA NARBOT: Por isso eu digo que escrever é desnudar a alma...

*  *  *

HELENA FRENZEL: Sou uma pessoa que não consegue dar valor extraordinário a esse ou àquele título, isso vale para outras conquistas e posses também. Só de molecagem, outro dia fiz um desses testes psicológicos (sérios) e por conta do meu posicionamento diante de certas questões, recebi o rótulo de ‘pessoa com baixa auto-estima’ e fiquei pensando sobre o significado do conceito de desapego nesse mundo de ‘normais’. Será mesmo que o teste está correto e eu tenho que passar a me ‘inflar’ mais um poquinho? E se sim, por quê? Aliás, um título muito criativo de um livro de RICHARD DAVID PRECHT que estou lendo é: Wer bin ich und wenn ja, wie viele? Tradução: Quem sou eu e se sim: quantos? Seria caso de internação?


ALICE GOMES: Isso é tão relativo, eu acho. Quem avalia esses testes psicológicos entende de que maneira a auto-estima? Olha, eu vou te confessar uma coisa: antes da Internet eu achava que não poderia haver mais que meia dúzia de pessoas como eu (e todas mortas), hoje vejo que são milhões. Quem sabe a gente um dia se junta e aplicamos nós um teste a eles e os cataloguemos como isso ou aquilo... (risos)

*  *  *

HELENA FRENZEL: Escrever um conto é como gerar um filho. Você passa um tempão com aquela idéia crescendo, se formando dentro de você. Um belo dia dá uma dor alucinante e a única coisa a fazer é pôr para fora e buscar os olhos dele depois que nasceu, ter certeza de que não tem de fazer qualquer alteração, pois todo o necessário está ali, dito, compacto, sucinto. Para os mais incrédulos aconselha-se tirar uma foto do conto na hora do nascimento, e depois comparar com as trabalhadas versões. Geralmente o conto nascido é mais autêntico, e pouco mais do que uma ou outra ponta é o que se tem de aparar. O bom conto nasce pronto. Será?

MARIA MINEIRA: Acho que um conto pode ser igual a um filho que nasce e com o tempo você educa, ensina e o conto podemos ir aprimorando, aparando as arestas.

HELENA FRENZEL: O processo criativo não tem regras, não é mesmo? Pois isso é o bom da coisa, o que tanto me atrai. Hoje eu pude comparar versões trabalhadas de um conto meu e pude ver que se deu mais ou menos isso: original, alteração 1, 2, 3, 4, 5,...N e fui, automaticamente, voltando ao original. Ou seja: tivesse eu confiado em minha intuição desde o começo, não teria mudado tanto, mas revisar, reescrever, exercitar, inserir coisas e depois tirar faz parte, ou seja, dinâmica gostosa é o escrever, por isso encanta tanto quem escreve quanto quem lê. Educar um texto como se educa um filho é uma interessante analogia.

*  *  *


domingo, 8 de setembro de 2013

Brincando com tradução




Recebi de uma amiga os versos a seguir:

Morgenwonne

Ich bin so knallvergnügt erwacht.
Ich klatsche meine Hüften.
Das Wasser lockt. Die Seife lacht.
Es dürstet mich nach Lüften. 

Aus meiner tiefsten Seele zieht
Mit Nasenflügelbeben
Ein ungeheurer Appetit
Nach Frühstück und nach Leben.

Joachim Ringelnatz

Segue uma tentativa de tradução:

Delícia Matinal

Estou tão vivamente acordado.
Retumbo dedos em meus quadris.
Água seduz, sabonete sorri,
Sinto sede de ares.

Do fundo de minh’alma tiram
Estremecentes narinas
Um monstruoso apetite
Por vida e café da manhã.

Tradução livre: Helena Frenzel

P.S.: ‚estremecentes’ não encontrei no dicionário, valho-me de licença poética para deixá-la aqui, pois me pareceu a imagem melhor.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Teoria das inspirações para deixar o ar entrar (Samara Bassi)


Capa: divulgação


Tive o prazer de ter diante dos olhos, e bem seguro nas mãos apoiadas no peito, este livro de Samara Bassi, um belo fruto de autopublicação — categoria para a qual muitos ainda torcem o nariz sob o juízo de inerente baixa qualidade; preconceito que, por vezes, uma simples leitura pode dissolver.
Minhas impressões? Capa bonita e suave combinando com um título diferente e convidativo. Prefácio muito bem escrito, inspirado e inspirador, precedido por uma dedicatória bela e cativante.
Bem estruturado, nota-se o cuidado com os detalhes e um conceito claro para a disposicão dos textos, o qual se confirma quando se chega ao final. Conteúdo muito bom e recomendável tanto pelos sentidos quanto pela forma de jogar com as palavras. A opção por uma linguagem mais simples e coloquial não chega a comprometer a qualidade estética do texto e de quebra torna-o mais acessível a um público maior.
Vivendo na época em que vivemos — onde tudo em literatura já foi tentado, dizem os literatos —, e pela limitação do meu olhar, exagero e arriscado seria falar em ineditismo e inovação, mas se estilo compreende o jeito peculiar de alguém escrever, digo com segurança que as construções deste livro têm um quê de próprio e diferente. A leitura remeteu-me a filosofias espiritualistas, como informado na sinopse aliás, e a influências de Tagore, Manuel Bandeira, Manoel de Barros, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade e outros. A quebra de certos paradigmas e a campanha por liberdade, sobretudo na escrita, lembraram-me as frechadas de “Tiro ao Álvaro” de Adoniran Barbosa.
Se tivesse que encontrar um rótulo, eu diria que está entre a prosa poética, os poemetos e o pensamento. O jogo de palavras mais se assemelha ao que passei a chamar de letripulia*, e não chamaria o que li de pura autoajuda, não mesmo. Enquanto lia, visualizei o livro como um grande calendário, ilustrado ou não, com cada dia ofertando uma pílula de inspiração para ler. No livro, contei 142 pílulas, fica a sugestão para a autora juntar a elas outras 223 numa segunda edição e oferecer aos leitores nos 365 dias do ano uma por dia para inspiração.
Resumindo: coletânea de letripulias bem elaborada que permite ao leitor uma leitura prazerosa, contínua ou fragmentada, sem imposições. O conteúdo bem se adequa ao perfil do livro e em se tratando de obra de iniciante e autopublicação, o resultado é muito digno de atenção, um presente que pode ser bem-vindo e apreciado por vários tipos de leitores, não só para aqueles que, por acaso, estejam precisando de um pouco mais de ar ou sol. Neste contexto, Samara Bassi é um nome marcado para acompanhar e este livro é uma boa recomendação.

Ficha técnica:

Título: Teoria das inspirações para deixar o ar entrar – um sopro de vida para acompanhar você
Autora: Samara Bassi
Nr de Páginas: 155, Impresso e EBook
Onde comprar:

*Letripulias: estripulias com Letras; com letras, estripulias. E com artes, em geral. Letripulista é quem letripulias faz.

Nota: este comentário registra apenas minha visão e experiência pessoal com o texto, não visa formar opiniões. Assim sendo, sempre incentivo ir direto à fonte, ler o texto original e tirar as próprias conclusões. Olhos ao texto então. ;-)