* Comentários levemente alterados dos originais para melhor se adequarem ao espírito desta série de postagens.
HELENA FRENZEL: Ai, o espelho... esse tema dá muita reflexão... Já
não miro mais nos espelhos físicos, prefiro a escrita, que mesmo à revelia
espelha a alma do escritor. Por isso as palavras são sempre livres e há que
ter-se cuidado com elas: pela propriedade de dizerem o contrário do que
pensaram obrigá-las dizer. Nos espelhos físicos não confio, eles mentem às
pessoas, mostram só o que desejam ver, já as palavras fotografam a alma para
a eternidade, um negativo que tempo e espaço não conseguem alterar, um carimbo
da alma para quem se propõe a ler e decifrar.
TANIA ORSI VARGAS: As palavras escapam ao controle racional e aos
condicionamentos da mente, muitos deles colocados de fora para dentro como uma
armadura ideológica e maniqueísta. As palavras, como os pensamentos, atravessam
paredes de aço, voam livres em bandos nos céus, livres da mente carcereira, e
nos surpreendemos depois, ao ler coisas que escrevemos e não entendemos em que
lugar de nós tais coisas foram engendradas. Um grande mistério e uma
libertação.
LUCIA NARBOT: Por isso eu digo que escrever é desnudar a alma...
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HELENA FRENZEL: Sou uma pessoa que não consegue dar valor
extraordinário a esse ou àquele título, isso vale para outras conquistas e
posses também. Só de molecagem, outro dia fiz um desses testes psicológicos
(sérios) e por conta do meu posicionamento diante de certas questões, recebi o
rótulo de ‘pessoa com baixa auto-estima’ e fiquei pensando sobre o significado
do conceito de desapego nesse mundo de ‘normais’. Será mesmo que o teste está
correto e eu tenho que passar a me ‘inflar’ mais um poquinho? E se sim, por
quê? Aliás, um título muito criativo de um livro de RICHARD DAVID PRECHT que
estou lendo é: Wer bin ich und wenn ja,
wie viele? Tradução: Quem sou eu e se
sim: quantos? Seria caso de internação?
ALICE GOMES: Isso é tão relativo, eu acho. Quem avalia esses
testes psicológicos entende de que maneira a auto-estima? Olha, eu vou te
confessar uma coisa: antes da Internet eu achava que não poderia haver mais que
meia dúzia de pessoas como eu (e todas mortas), hoje vejo que são milhões. Quem
sabe a gente um dia se junta e aplicamos nós um teste a eles e os cataloguemos
como isso ou aquilo... (risos)
* * *
HELENA FRENZEL: Escrever um conto é como gerar um filho. Você passa
um tempão com aquela idéia crescendo, se formando dentro de você. Um belo dia
dá uma dor alucinante e a única coisa a fazer é pôr para fora e buscar os olhos
dele depois que nasceu, ter certeza de que não tem de fazer qualquer alteração,
pois todo o necessário está ali, dito, compacto, sucinto. Para os mais
incrédulos aconselha-se tirar uma foto do conto na hora do nascimento, e depois
comparar com as trabalhadas versões. Geralmente o conto nascido é mais
autêntico, e pouco mais do que uma ou outra ponta é o que se tem de aparar. O
bom conto nasce pronto. Será?
MARIA MINEIRA: Acho que um conto pode ser igual a um filho que
nasce e com o tempo você educa, ensina e o conto podemos ir aprimorando,
aparando as arestas.
HELENA FRENZEL: O processo criativo não tem regras, não é mesmo?
Pois isso é o bom da coisa, o que tanto me atrai. Hoje eu pude comparar versões
trabalhadas de um conto meu e pude ver que se deu mais ou menos isso: original,
alteração 1, 2, 3, 4, 5,...N e fui, automaticamente, voltando ao original. Ou
seja: tivesse eu confiado em minha intuição desde o começo, não teria mudado
tanto, mas revisar, reescrever, exercitar, inserir coisas e depois tirar faz
parte, ou seja, dinâmica gostosa é o escrever, por isso encanta tanto quem
escreve quanto quem lê. Educar um texto como se educa um filho é uma
interessante analogia.
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